sábado, 4 de abril de 2015

Bora Malhar o Judas

Vamos malhar o Judas! Porque hoje é sábado de Aleluia! Era esse convite que recebi durante anos de minha infância no dia que antecedia a Páscoa. Acordava em meio a empolgação de buscar trapos, sapatos e roupas velhas para ajudar na confecção no boneco de Judas Iscariot - o traidor de Jesus Cristo, que se suicidou. A criançada toda se reunia e aguardava ansiosamente para bater no traidor do salvador. Me lembro que havia competições entre ruas e bairros para saber qual era o melhor Judas. E, pontualmente, ao meio dia começavam as pauladas, chutes, xingamentos e, por fim, atear fogo ao que sobrava.

Foto: Michelle Farias \ G1
Quando pequeno participava da farra, sem entender ao certo o motivo para o linchamento, acredito que devido a bagunça da criançada. Porém, as vezes que questionei o real motivo de malhar o Judas, recebia respostas enfáticas afirmando que assim que deveriam ser tratados os traidores, ainda mais o de Jesus. E reforçado pelos ensinamentos ingênuos e cheios de fé de minha avó, envoltos a dogmas católicos, "aceitei" aquele rito popular.

O tempo passou e, hoje recordei com saudosismo dessa ápoca, buscando notícias se ainda malhavam o Judas por este enorme País. Para minha surpresa, a brincadeira acontece nos dias de hoje. Uma tradição forte nas cidades do interior do Brasil, mas que aconteceu também nas capitais como protesto, dando rosto de políticos brasileiros aos bonecos.

O que questiono aqui não é a tradição popular, mas os valores por trás da ação. Incentivar e ensinar que deve-se linchar e matar alguém, independente do motivo, é algo que me assusta. Há quem defenda que se trata apenas de uma brincadeira, uma catarse coletiva, ou que estou intelectualizando o assunto. Mas, sinceramente, vejo aí uma forma de incitação a violência. Principalmente porque a maioria das pessoas, neste caso como crianças e jovens, não tem a natureza de questionar o que aprendem, e outras têm impulsos e desejos de  violência e barbárie motivados por frustrações e motivos diversos.

Uma criança pode no futuro se tornar um homem violento e defender que atos de violência sejam considerados normais por causa da malhação do Judas? Não acredito que haja essa interferência direta, mas que ela possa potencializar tendências já existentes nesse ser humano. Além disso, será que devemos mesmo malhar o Judas no dia que antecede a Páscoa? Um período de reflexão, renovação e perdão? A maioria das religiões cristãs pregam que Deus é amor e perdoa os pecados da humanidade, e ensinou por meio de seu primogênito que devemos amar e perdoar o próximo, inclusive nossos inimigos. Então por que malhar o Judas?

Partindo desta pergunta, é necessário questionar quais ensinamentos queremos transmitir aos nossos sucessores. Diretrizes que os ajudem a se tornar pessoas conscientes, seres pensantes, capazes de compreender o próximo e discernir o real motivo das coisas antes de tomar uma atitude impensada? Ou vamos preferir que eles continuem repetindo atos de barbárie que há tempos deveriam ter sidos extinguidos da humanidade?

Prefiro optar que devemos malhar velhos conceitos e renascer na páscoa do esclarecimento e mudança de atitudes.

Silas Macedo

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