domingo, 29 de janeiro de 2012

O aprendizado de Orfeu

Desde os primórdios da humanidade, por meio de mitos, histórias e personagens, os homens registraram suas vivências e as repassaram de boca em boca. Depois por meio de livros as perpeturam para poder transmitir essas experiências as gerações futuras.

Ao ler essas histórias é possível perceber que os personagens mudam de forma e nome, vivem em outra época, mas as experiências se repetem.
Em especial, recentemente tive contato com uma vivência que me remeteu ao mito grego de Orfeu, famoso por ser um poeta genial, de alma sensível, e exímio tocador de lira. Diz a história que ao tocar sua lira os pássaros paravam para ouvi-lo, os animais selvagens se acalmavam e as árvores se curvavam em respeito de tão belo som.
Além de ser um dos argonautas e Jasão, Orfeu se tornou um mito conhecido devido ao seu amor que atravessou mundos e barreiras. Ele amou Eurídice, uma bela jovem, que causou inveja a outros homens em virtude de sua beleza e dedicação ao Orfeu. Aristeu, astuto e invejoso, tentou seduzir Eurídice, mas ela resistiu. Porém, ela a perseguiu, e ao correr ela tropeçou em uma cobra que a mordeu e a matou.
No extremo da tristeza e do desespero, Orfeu desceu ao Reino dos Mortos para reencontrar e resgatar sua amada. Ao chegar à presença de Hades - deus do inferno, o rei dos mortos ficou muito irritado ao ver um vivo em seus domínios, mas a dor e as lágrimas de Orfeu o comoveu. Diante de tanto amor, Perséfone - esposa de Hades - implorou ao marido que ele atendesse as súplicas do tocador de lira.
Hades atendeu ao desejo de Orfeu, autorizando que ele guiasse Eurídice até o mundo dos vivos, porém com uma única condição; que ele não olhasse para sua amada durante todo o percurso no inferno até que ela estivesse outra vez à luz do sol.
Orfeu seguiu tocando sua lira com o intuito de resgatar sua amada, não olhou para trás, mas na porta do inferno titubeou e ao virar-se para certificar que Eurídice o estava seguindo, por um momento seus olhos se cruzaram. Foi quando ela se perdeu para sempre, se tornando apenas um vulto, calando as declarações de amor e silencioando a lira de Orfeu.
Voltando aos dias atuais, o novo Orfeu também conheceu uma Eurídice, bela, perdida, cercada de invejosos e usurpadores, mas ainda sim uma pessoa de alma boa. Assim como na história antiga, eles se apaixonaram e tiveram bons momentos juntos. Mas, fantasmas do passado insistiam em rodear o casal. Assombros que deveriam ser enfrentados de frente, a custo de muito força de vontade, disposição e amor. Orfeu, determinado, continuou tocando sua lira com amor e paixão.
Eurídice tentou trilhar o mesmo caminho, mas no percurso teve um reencontro com a ninfa Branca, capaz de entorpecer e apaziguar momentaneamente a dor da alma. Aparentemente caridosa, a ninfa Branca ajudava aqueles que a procuravam, mas a custa da consciência e da alma daqueles a quem concedia falsa paz. Perdida, e sedenta de verdadeira paz, Eurídice sorveu uma taça do vinho da ninfa, indo ao encontro do rei dos mortos no umbral.
Em meio a gritos, escuridão, perguntas e medo, Eurídice se via perdida. Orfeu, por sua vez, assim como na história antiga, por amor, desceu ao inferno. E a cada fossa que descia, ele se deparava com mentes, dores e realidades distante de tudo que já havia vivenciado. Convicto de seu amor, Orfeu continuava sua caminhada rumo a amada. A casa passo uma dor, uma ferida causada pelos habitantes do inferno.
Diferente da passagem grega, Orfeu e Eurídice se reconheceram pelo olhar, lembrando de tudo que era bom. Decididos a regressar, foram avisados por Hades que a única condição para poderem voltar ao mundo dos homens era jamais titubear e olhas para trás.
O casal seguiu, ambos cansados e feridos. Orfeu seguia, tocando seus melhores acordes com os dedos feridos e o corpo fadigado. Eurídice caminhava e transitava entre a sanidade, a loucura e a total falta de consciência, sequelas do vinho da ninfa Branca.
Ao chegarem à porta do inferno, divisa com o mundo dos homens, Eurídice teve o ímpeto de olhar para trás, motivada por sentimentos que a ligavam ao inferno. Diante disso, novamente ela foi arremessada a mais profunda fossa do inferno. Em desespero, Orfeu chorou.
A porta do inferno, ele questionou, o que teria feito Eurídice olhar para trás e escolher o inferno. Por que ela não ouviu seus acordes? Por que teria ela escolhido a sinfonia da dor, alienação e esquecimento?
Caronte, o barqueiro que guiava os homens pelo rio da morte, que já havia assistido a muitas cenas de despedidas e separações de amor, afirmou: "Caro Orfeu, Eurídice não se perdeu, na verdade se encontrou! Ela fez uma escolha, e agora está entre os seus."
Confuso, o tocador de lira se preparava novamente para descer ao inferno, quando recordou os olhos de Eurídice que demonstravam que, mesmo aparentemente perdida, ela havia feito uma escolha. Decisão essa, que Orfeu, jamais compreenderia. Talvez porque para se encontrar as pessoas deveriam primeiro se perder, ou ainda, porque ela teria escolhido o inferno como seu lar.
Orfeu olhou para suas cicatrizes e percebeu que a descida até o inferno o fez crescer, amadurecer e se tornar um ser humano melhor. Agora ele compreendia as pessoas que viviam longe do Éden e sim no umbral, e não fazia julgamento disso. Ele refletiu, e mais uma vez, tentou resgatar sua amada. Mas, diferente de antes, agora ela não mais desceria ao umbral, apenas tocaria sua lira próxima à porta do inferno, de forma que sua melodia pudesse acalentar a alma de Eurídice e, talvez trazê-la aos mundo dos homens.
Ele tocou, e Eurídice não podia ouvi-lo, afinal estava entorpecida e perdida no umbral. Triste, Orfeu decidiu tocar sempre, oferecendo suas melhores notas e melodias a todos sem distinção. Para sua surpresa, seus acordes chegaram aos ouvidos de uma ninfa, também tocadora de lira. E juntos decidiram tocar suas liras em prol do prazer e deleite da humanidade.
Em resumo, quantos Orfeus e Eurídices existem pelo mundo, quantos não desceram ao umbral por amor? A verdade é que só se sai do inferno por escolha própria. Só se vive um amor por acreditar nele. E assim como a melodia das notas da lira de Orfeu, tudo o que está na mesma vibração permanece junto e se perpetua. Creio que todo aprendizado é válido, mas o Orfeu moderno, aprendeu que sua música deve ser tocado para todos, mas dedicada especialmente àqueles capazes e dispostos a prestigiá-la.
Creio que os mitos e histórias servem para nos fazer refletir, aprender com a caminhada e as experiências de outros, e principalmente, nos permitir superar erros e fazer a diferença.
Silas Macedo

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Amor sinônimo de disposição

Desde sempre a humanidade busca entender, retratar e viver plenamente o amor. Pensadores, filósofos e líderes espirituais já tentaram mostrar aos homens como e onde encontrar o tal sentimento vivido por poucos. Há quem diga que viver um amor de verdade é uma grande utopia.

A busca que teve início há milênios, parece a mesma, ou como afirmam alguns, está cada vez mais difícil. Estabelecer uma relação verdadeira e recíproca nos dias atuais parece algo impossível, principalmente quando a frivolidade faz parte da cultura das pessoas.

Por que devo investir em uma pessoa já que há 6 bilhões de pessoas no planeta que eu possa me divertir? Por que me estressar com uma pessoa se eu posso desistir e conhecer centenas de indivíduos? Por que construir algo sólido se as coisas na vida nunca são para sempre?

Perguntas como essas denotam a posição de pessoas que deixaram ou preferem não acreditar e investir em um amor, por diversos motivos, desde medo, insegurança, descrença, etc. A humanidade tem vivido como nunca a dualidade de desejar profundamente um amor verdadeiro e jamais encontrá-lo devido as próprias ações e escolhas.

Mas, antes de qualquer indagação, o que é amor? Que sentimento é esse que foi idealizado pelo cinema, retratado em quadros e representado em grandes peças teatrais? Alguém pode explicá-lo ou deve ser apenas sentido?

Diante disso, creio que o amor foi idealizado e distanciado do que realmente é, ninguém vive amores perfeitos como no cinema. A Bíblia fala do amor no trecho Coríntios 13 - http://www.portaldabiblia.com/?do=p&p=1cor%2013&v=aa - como algo benevolente, paciente e forte. Mas, a prática desse amor é difícil, pois somos humanos e por mais que tentemos devotar o nosso melhor, erramos, e é ai que surge o desafio.

Penso que os amores verdadeiros são construídos no dia a dia, com compreensão, companheirismo, verdade, amizade, carinho, e acima de tudo, disposição. Uma palavra que coloco como sinônimo de amor, pois é necessário estar disposto a construir e superar dificuldades, principalmente quando a paixão - sentimento naturalmente efêmero - acaba.

Disposição é necessária para entender e superar diferenças e fraquezas, corrigir e perdoar erros, não cobrar do outro o que ele jamais poderá dar, e ainda cultivar e aproveitar o bom do amor. Tendo o cuidado de conquistar diariamente a pessoa amada, além de curtir momentos únicos que apenas o companheirismo e a intimidade permitem.

É necessário estar disposto a seguir o mesmo caminho, ter objetivos comuns. Lembrando que um casal é constituído por dois seres humanos diferentes, com educações, formação moral e intelectual e visão de mundo distintas. Disposição é o fator principal para estabelecer uma relação verdadeira e duradoura. Quando isso acaba ou inexiste entre duas pessoas, não há motivos para que elas fiquem juntas.

E acrescento que essa disposição se estende para as relações familiares e também as amizades, pelo simples fato de que é necessário estar disposto a fazer o bem para o outro. Sem dúvida, creio que a palavra disposição deve ser incluída como sinônimo de amor.


Silas Macedo

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Valor e vivências

Esses dias tive uma vivência que me fez refletir muito sobre minha real postura diante da vida. Qual o real valor das coisas e situações? Se perguntar a alguém sobre o que vale mais, ter um bem material durável ou uma experiência, em geral, as pessoas respondem a vivência. Mas, na prática não funciona assim, penso que somos condicionados a acreditar em valores "palpáveis".
O aprendizado aconteceu em um final de semana em que comprei um tênis novo - não muito caro admito, mas estiloso - e fui a um encontro de amigos em um sábado a noite. Naquela noite, fui surpreendido com um convite para ir a cidade de Paranapiacaba, em São Paulo, junto de outros amigos. No domingo pela manhã nos encontramos e seguimos rumo a cidade turística. Ao chegar no local, um município conhecido pelas neblinas e a forte umidade, fui informado que iriamos fazer uma trilha em meio a mata.
Como assim? Pensei que seria um passeio tranquilo por ruas asfaltadas e não por trilhas barrentas. E o tênis novo? - questionei. Segui com o grupo, inicialmente preocupado em não sujar o calçado e não cair no caminho. No decorrer do processo, me dei conta que deveria fazer uma escolha, supostamente simples, mas que diz muito sobre nós (seres humanos). Deveria continuar me preocupando com o tênis novo ou desfrutar a beleza do local e a companhia dos amigos?
Algo que me remeteu a uma parábola que ouvi quando pequeno que dizia que o grande desafio do homem era vir ao mundo, aproveitar tudo, olhar cada detalhe, sentir cada momento, sem perder o foco de onde veio e para onde quer ir.
Decidi, literalmente atolar o pé na lama, e tirar o melhor daquele momento. Carpe Diem - aproveite o dia em latim. Observei cada paisagem, cada detalhes, buscando registrar na minha mente o melhor daquele momento. O local, as pessoas, cada experiência. Ao final, chegamos a uma cachoeira que nos permitiu lavar a alma e voltar renovamos.
Questiono quantas vezes nos pegamos cometendo ações como esta, no qual se eu tivesse optado em ficar no começo do caminho para poupar o tênis do barro, teria perdido a oportunidade de vivenciar algo tão bom. E depois, cerca de uma semana, me deparei com um tênis desbotado, confeccionado com um material de segunda linha.
Viva intensamente e retire o melhor da vida, pois dela só levamos as memórias, aprendizados e amores verdadeiros.
Silas Macedo