quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Maternidade à loucura

Há dias que devemos ficar atentos sobre assuntos e situações do cotidiano que trazem mensagens que nos remetem a uma reflexão. Tudo começou com uma notícia no rádio pela manhã que relatava sobre um recém-nascido que foi encontrado por um pedreiro em um cemitério da cidade de Lages, em Santa Catarina. Ao ouvir a notícia, imediatamente lembrei da vez que fiz uma reportagem onde um bebê foi encontrado em um bairro de Guarulhos em uma lixeira pelos coletores de lixo pouco antes de lançarem os desejos no caminhão, fato que poupo a vida da criança. 

No momento em questionei os motivos que levam uma mãe a desejar a morte do próprio filho, rompendo com as leis do sangue e do amor incondicional, a repórter Rachel Sheherazade - a quem tenho grande admiração profissional - que dava a notícia também questionou o fato e demonstrou claramente sua revolta. Ela fez questão de citar que mesmo nos casos de depressão pós parto - cujo fato da mãe querer matar o filho é algo normal, sensação causada pelas mudanças causadas pela maternidade - atos de violência ou infanticídio não são tolerados. Particularmente, acredito que essa explicação comportamental ajuda a compreender, mas não justificar barbáries desse tipo.

A jornalista lembrou ainda que no período do Brasil colônia existia a "Roda dos Expostos", local que funcionava em conventos e hospitais para abrigar crianças rejeitadas pelas mães. Fato histórico que nos faz recordar que a adoção é um ato de amor, dando a oportunidade de vida a criança. E que sentimentos acometem um mãe que esquece da possibilidade de adoção? Decidindo pela morte do ser que gerou.

No mesmo dia foi noticiado no Jornal Hoje (JH) da Rede Globo a reportagem sobre o número crescente de pessoas que desaparecem por ano no Brasil, e o trabalho realizado pelo projeto "Mães da Sé" - criado por uma mãe que teve a filha desaparecida - que ajuda na localização dos desaparecidos. Impossível não lembrar de uma reportagem cujo tema me permitiu entrevistar uma mãe que há anos procura o filho e, desde então deixa o quarto do desaparecido intacto na esperança do regresso dele. Que esperança e amor incondicional é esse que nutre a esperança de mães que sonham com o reencontro com seus filhos?

No início da noite, minhas indagações tiveram um exemplo dos sentimentos gerados pela maternidade, quiça o tal amor, ao ser abordado por uma mulher bem vestida, aparentando pouco mais de cinquenta anos, e uma boa condição financeira, que buscava encontrar o filho. Ela me abordou educadamente, pedindo informações sobre um suposto homem. Após alguns minutos de papo confuso, percebi nitidamente o desiquilíbrio emocional e psicológico daquela mulher. Lhe dediquei a atenção devida, mas ela decidiu ir embora.
Amor de mãe - Quais o limites entre loucura e sanidade?

Mas para minha surpresa, ela voltou para falar comigo devido a confiança devotada a mim. Aquela mãe estava com papéis com cópias da imagem de um homem negro - Barack Obama - que ela descrevia ser seu filho. "Meu filho deve ter hoje a idade deste homem bonito. O pai dele era negro, olhe as semelhanças nos traços da boca e o nariz dele. São iguais aos meus", afirmava. Quem olhava de longe, de forma superficial e desatenta, poderia achar a situação engraçada. Eu mesmo inicialmente tive vontade de rir, mas ao ver nos olhos daquela mulher o desejo insano de encontrar o filho, me enchi de compaixão.

Ouvi atento o relato que ela explicava que o filho foi retirado dela há anos pelo antigo companheiro. E que ela ainda o encontraria - mesmo que idealizado - até o final da vida. Só pude concordar e desejar a ela que de alguma forma seus anseios se concretizassem. Após o desabafo, ela se despediu, pegou suas malas e se misturou as muitas pessoas que transitam pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos.

Inevitável não tentar entender os sentimentos que permeiam o universo da maternidade, desde o desejo de morte da cria, a esperança de encontrar o filho perdido, até o chamado amor incondicional. 

Talvez só as próprias mães, ou nem mesmo elas tenham total consciência dos caminhos tênues da maternidade à loucura. 

Silas Macedo