domingo, 24 de novembro de 2013

Olhos de Farol

Esses dias conheci um menino diferente, um garoto com olhos de farol. Ele trazia nos globos oculares luz pura, radiante e infinita. As pupilas emitiam luminosidade aos cantos mais escuros  da Terra, ou onde a luz pudesse alcançar.

Soube que ele nasceu com este dom, uma característica notada pelos seus, mas que não foi visto como um problema. Afinal, era bom ver luz a todo instante no olhar daquela criança. A preocupação inicial era se ele enxergaria o mundo como os demais e, após um tempo, os seus perceberam que o menino via aparentemente como qualquer pessoa.

O menino crescia e conhecia tudo ao seu redor, se encantando a cada dia, observando belezas, sutilezas e peculiaridades que ninguém mais via. O chão, as flores, as estrelas, os animais, os rostos e sorrisos, e toda obra do criador. Obra que, segundo ele, era a perfeição.

Ele passava seus dias contemplando o belo jardim onde vivia com os seus, protegido por fortes muros e, principalmente, pela companhia das pessoas de alma leve. Porém, seguindo os impulsos naturais da humanidade, buscou conhecimento além do horizonte por meio de vivências e processos empíricos. O menino com olhos de farol sentia que precisava de algo além daqueles muros, o que pudesse completar ou ampliar sua alma.

Na calada da noite, saiu sorrateiramente em busca do novo, rompendo a proteção dos muros. Em sua caminhada conheceu pessoas coloridas, cintilantes, mas em sua maioria apagadas, desenhadas pela vida com tons de marrom e cinza. Experimentou sensações, gostos, horizontes, mas também dissabores e tristezas. 

Decidido a regressar, a caminho de volta, ele deparou-se com um ser luminoso. Alguém de luz branca, quente e tênue. Sem dúvida, uma beleza única, luscofuscolar. O menino com olhos de farol se aproximou, tocou, e se permitiu ao maior e mais doloroso aprendizado do homem: a prática do amor. 

As últimas barreiras haviam sido quebradas, e o menino mergulhou em um turbilhão de sensações, das mais divinas, passando pelas carnais, até a animais. A intensidade do sentir, o prendia de forma magnética aquele ser. Sim, ele estava apaixonado! Uma intensidade que exigia mais do que ele podia dar. Aos poucos, ele enxergava menos beleza naquele ser. Passada a primavera incipiente, agora chegara o inverno, fazendo cair cada mascará como pétalas secas, mostrando a pouca afinidade entre os olhos de farol e aquele que ele resolveu chamar de luscofusco. 

Confuso, com o coração perdido em um mar de incertezas, e o olhar ofuscado, ele regressou para os seus. Bem recebido, ele foi remediado com poderosas ervas e orações feitas pelos conselheiros de sua terra. Recuperado, e disposto a entender sua vivência, buscou as orientações de um oráculo que enxergava com os olhos da alma.

O menino relatou toda sua caminhada, recordando detalhes, que o ajudaram a entender o que havia acontecido. Ao final, o oráculo sorriu e disse: busque o espelho e você entenderá. Ainda sem compreender, ele toma em suas mãos a lâmina refletiva e vê o brilho de seus olhos iluminando o ambiente. O oráculo então concluiu: toda luz e beleza que você enxergava e estava em você, era sua luz que iluminava aquele ser, o tornando luscofusco.

Tudo fez sentido, e ele decidiu caminhar sozinho em busca de outros faróis, para que juntos pudessem levar de forma abnegada luz a lugares obscuros.

Silas Macedo

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