sexta-feira, 16 de abril de 2010

Maria Ninguém


O sol talvez tivesse menos aridez e a poeira trazia consigo a brisa que aliviava a secura daquela terra, porém sequer amenizava as rachaduras dos pés sobre aqueles chinelos de pneu.

A caminhada foi curta até as ruínas. Tratava-se de uma escola onde há anos uma professora ensinava-lhes o que eles referiam como “b a ba”, alguns orgulhavam–se por terem aprendido a escrever o próprio nome e curiosamente ainda chamavam aquele monte de entulhos de escola.

Aquilo que materialmente já havia se transformado em nada, trazia tijolos e telhas inteiras, naquela extrema pobreza poderia se transformar em uma moradia. Foi por esse motivo que aquela mulher chamada Maria, esposa de João Ninguém e mãe de três filhos sempre descalços com camisas que mal lhes cobriam as barrigas desproporcionais aos corpos, debruçou-se para pegar um pouco daquele nada.

Sobre si desabou uma das paredes, ouviram-se gritos e sem pensar outras pessoas tiraram o que havia sobre seu corpo, ela ficou sobre o chão, ainda sentia vida e esperou por mais de uma hora para ser transportada para qualquer socorro.

Num povoado vizinho havia a primeira esperança, um posto de saúde sem recursos, sem transportes...

Encontraram na porta duas mulheres de jaleco, uma delas parecia-se com uma garota. Uma ficou imóvel, a outra sem ter sequer um objeto de socorro, pegou-a sobre os braços e recorreu ao único que restava “Deus”. Naquele momento pediu a ele que sua existência fosse possível.

Maria Ninguém já não a olhava nos olhos, mas as mãos sobre o seu tórax lhe mostraram resquícios de vida, os olhos se abriram e os olhares daquelas duas mulheres se cruzaram. Houve uma última respiração tranqüila e após uma morrer sobre o colo da outra houve uma silenciosa e singela oração, a moça de jaleco implorou aos céus para que Deus existisse e finalmente transformasse Maria em Alguém.

Restou a entrega em um necrotério frio, o choro puro de saudades de João Ninguém e o olhar sem compreensão dos três meninos.

Dalila Pincer

Conto escrito por uma grande amiga, de espírito sensível e aberto, sempre disposto a dar e receber o melhor da humanidade.

Um comentário:

  1. Esse texto é a cara da minha querida amiga, sensível ... inteligentíssima Dalila.

    Saudades imensa de ti pirulito ... rs

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