sábado, 11 de abril de 2015

Da sexualidade clandestina aos armários abertos

Falar sobre sexualidade foi por muito tempo algo proibido, sexo somente pra reproduzir, debaixo dos lençóis e na calada da noite. Mas para alívio de uma parte pensante da humanidade, as coisas estão mudando gradativamente, mesmo diante da resistência retrógrada de alguns. Ao olhar para a história é possível acompanhar as conquistas de homens e mulheres ao longo do tempo para viver seu sexo e sua individualidade.

E, nos últimos anos, o embate entre homossexuais - em todas as suas vertentes - e os heterossexuais - considerados "normais" - tem se tornado mais forte, embora velado. De um lado, um grupo aparentemente crescente, engajado, segue atento a todos os tipos de violência que sofreu e ainda sofre, e no outro, na contramão, um grupo formado por homens e mulheres conservadores, integrantes de mundo inconsciente, longe da empatia e do respeito, felizes em empunhar a bandeira de valores equivocados e distorcidos. 

Um desses grupos acompanho de perto, e isso não é novidade para ninguém. E, por este motivo, tenho ouvido relatos que começam com homens e mulheres que atualmente tem em média 50 e poucos anos, passando por quarentões, balzaquianos, jovens de vinte anos, até a Geração Y.

A começar pela história de um homem que apenas aos 60 anos decidiu viver sua homossexualidade, após um longo casamento heterossexual "feliz" com filhos, subordinado a normas e convenções. Segundo ele, a decisão resultou em uma avalanche de reações adversas, mas, principalmente, sua paz de espírito em não viver mais na clandestinidade e, a possibilidade de viver paixões tão intensas quantos as juvenis. 

Outro relato, é de um homem de 50 e poucos anos, que entendeu e decidiu viver sua sexualidade  aos 28 anos, no início da década de 80, onde ser gay era algo incompreensível, associado diretamente a AIDS, e as travestis e transformistas apresentadas nos programas do tio Silvio Santos. Ele me contou que, assim com tantos, ele tentou o suicídio, por achar naquele momento que a morte seria melhor que ser gay. Passada a crise, ele aprendeu a viver sua sexualidade, em meio a fantasmas, na calada da noite, juntos de outros como ele.  

Já os com 40 anos, tiveram crises parecidas, viveram sua sexualidade em meio a punks, góticos, fashionistas, sem nunca sair assumidademente do armário. Um deles em especial, me disse que nunca superou as piadinhas de mau gosto que teve de ouvir calado, e o medo constante de sofrer violências por um crime que não existe, e sem possibilidade de defesa. Dois dos homens e uma mulher dessas gerações, assim como tantos outros, tem um único pesar, jamais terem tido a coragem de assumir sua homossexualidade, principalmente, aos familiares, e hoje viverem ainda fadados à clandestinidade.

"Imagine levar seu sobrinho a um campeonato de futebol na escola, a convite dele, e no percurso vê-lo fazer piadas ofensivas a um garoto gay e ter de ficar calado. Qual seria a reação dele ao descobrir que o tio mais querido também é gay?" - desabafou.

As gerações passam, mas alguns embates são os mesmos. Ouvi relatos de amigos gays e lésbicas de 20 e poucos anos, que como as gerações anteriores tiveram medo, passaram por crises, mas decidiram viver sua sexualidade sem mentiras, a começar em casa. O susto é inevitável, afinal nenhum pai e mãe concebeu os filhos para serem "diferentes", para não dizer gays. Mas será que esses filhos gays, se pudessem optar, escolheriam a homossexualidade ou uma vida dita como normal? 

Entre mortos e feridos, gradualmente, o choque de realidade daqueles que não foram educados para entender a homossexualidade vai se apaziguando, trazendo luz e entendimento por meio do chamado amor incondicional. Como deixar de amar um filho ou filha mesmo que ele seja gay ou lésbica? Ainda que haja pais que prefiram ter filhos ladrões a homossexuais. "Minha mãe hoje aceita, me respeita, e ainda recebe minhas namoradas em casa. No início não foi fácil, mas valeu a pena." - contou uma amiga gay.

E, por fim, a chamada Geração Y, que ao meu ver nasce desprovida de preconceitos e disposta a viver de forma mais fácil. Conheço diversos adolescentes, conscientes de si, que apenas apresentaram seus namorados e namoradas aos pais e a família de forma simples e direta. "Aceita mãe que dói menos!" - disse uma delas. "Pai sou gay. Me passa o café." - falou outro. Aos pais, restou dar o primeiro passo rumo a novos aprendizados. 

A escala dessas gerações mostra uma mudança de comportamento que pode nos conduzir para uma sociedade capaz de respeitar e conviver de forma harmônica com as diferenças. Sinceramente, espero que a cada dia mais pessoas possam deixar de viver sua sexualidade na clandestinidade, abandonando a vida claustrofóbica dentro dos armários. Creio que este é um lampejo de luz, quase uma nova Renascença, em meio ao período sombrio que vivemos e convivemos com tantos boçais bolsonaros.

Silas Macedo

Nenhum comentário:

Postar um comentário